"Em algum ponto da vida parece que confundimos conforto com felicidade. Eu acredito que é exatamente o contrário. Há magia no sofrimento, é só perguntar a qualquer corredor"
DEAN KARNAZES - Ultramaratonista
Hoje faz
exatamente duas semanas que completei minha primeira maratona, e ainda não
acredito. Ainda me lembro dos instantes finais cujo nem mesmo eu estava ciente
do que estava de fato acontecendo. Além disso, as frases de Dean Karnazes ainda
martelam minha cabeça: “Maratonista é
algo que você se torna”. “Cruzar a linha de chegada de uma maratona é algo que
traz consequências para toda sua vida.”
Obrigado Dean.
Mas me
tornei um, e agora preciso saber o que fazer com essas informações. Descubro
com o tempo.
Desde que
completei a maratona não treinei, queria descansar, e assim o fiz. Agora já
está na hora de retomar as rédeas e voltar a treinar forte, existem muitos
planos em vista, mas sem paranoias.
A melhor
notícia do post é que vou, por fim, colocar em prática um plano muito antigo:
fazer natação. Como já disse aqui anteriormente, tenho muita vontade de fazer
provas de biathlon e triathlon, além de travessias.
Mas para isso é necessário
saber nadar e essa semana começo. Por diversos motivos tive que adiar muitas
vezes esse plano, mas agora parece que tudo se encaixou. E estou próximo de me
tornar UM NADADOR.
Volto essa
semana, de início de férias à musculação, a correr – dessa vez de forma
regenerativa, como deveria ter sido e não foi – e a nadar. Que venham as “férias”.
A ressaca da maratona já passou, e agora estou começando a entender como
funciona a vida após a maratona, existe sim, e é maravilhosa. A sensação de
recomeçar após ter atingido uma meta tão grande não poderia ser melhor.
E que
venham muitas braçadas, pisadas, muita musculação e muito pedal.
Se um dia
contar aos meus netinhos que fiz um “regenerativo” de 21km exatamente uma
semana depois de correr uma Maratona ela vão me chamar de velho gaga e
mentiroso. Mas fiz.
Já havia
sido paga muito antes de eu decidir fazer Porto Alegre, por isso não poderia
deixar pra lá, acabou sendo quase coincidência. Até pensei em fazer uma
distância mais curta, mas não havia disponibilidade, ou era 21 ou nada.
Eu estava
de “ressaca”, nada de álcool, claro – não muito – acontece que eu fiquei a
semana toda sem mexer um músculo, fui à academia apenas para mostrar a medalha
conquistada pela maratona. Fora isso não corri nenhum metro, além , no sábado
anterior ocorreu a festinha de aniversário de um aninho do Rodrigo, que não
pôde ser no dia 15 devido minha viagem à Porto Alegre, portanto eu não podia em
hipótese alguma economizar, nadinha mesmo. Enfiei pé na jaca com bolo de milho,
amendoim doce e salgado, quentão e vinho quente moderadamente, torta, pé de
moleque e muitas outras guloseimas de festa junina. Ou seja, uma dieta
exacerbadamente irregular para uma MEIA MARATONA.
O domingo
amanheceu muito frio em São Paulo, por volta dos 17 graus mas o vento deixava a
sensação térmica muito menor. Acordei pesado e com sono, uma preguiça
desgraçada, não acreditava mesmo ser capaz de correr uma meia maratona.
Assim que
deu a largada fui com passos pesadíssimos, mas sempre em frente. Não demorou
muito para ter minha primeira decepção, o percurso era de 4 voltas em uma pista
de pouco mais de 5km, o que quer dizer que no final daria muito mais de meia
maratona. Outra crítica que tenho é que o percurso não estava isolado, tivemos
que dividi-lo com dezenas de ciclistas que na verdade achavam que nós estávamos
os atrapalhando. Depois veio o fato de ter muito, mas muito mesmo PIPOCA, essa
raça desprezível que insiste em aparecer em corrida que não é de sua conta.
Para terminar devo ressaltar que o kit era constrangedor, um número de peito
entregue às mãos, com uma camiseta amassada em um saco plástico, nenhuma
frescurinha, nenhum mimosinho para desviar nossa atenção. E no final... Água
quente! Nada de isotônico. Ouvi muitas reclamações de atletas, inclusive um com
mais de 65 anos que reclamava que a organização do evento feriu a lei do
desconto para idosos. Vergonha.
E mais
ainda: essa corrida não foi baratinha, não. O preço estava no nível de corridas
consideradas top.
Resumindo:
NÃO FAÇO MAIS, NUNCA MAIS!!!
Com muita
dificuldade dei três - CHATÍSSIMAS - voltas na pista, e na última tive um
“ataque” e fiz um pace por volta dos 4:30’. Fechei com 2h02, nada mal para quem
correu uma maratona menos de 10 dias atrás.
Quando
completei minha primeira Meia Maratona, achei, francamente que seria o ápice de
minha performance como corredor. Até porque era um mero principiante e jamais
pensei que seria louco o bastante para encarar 42 km. Ainda pensando nos meus
primeiros 21 km escrevi um post (http://ironmangfbpa.blogspot.com.br/2012/04/o-que-separa-homens-de-meninos.html) alegando que essa distância separava
homens de meninos. Significava que após esse feito eu era de fato um homem (no
mais amplo sentido nietzschiano), mas e após isso, o que me tornaria?
Na viagem
de volta, assim que o avião decolou, e enquanto contemplava, mais uma vez a
inquestionável e bela cidade de Porto Alegre, pensei: “Existe vida depois da Maratona”?
Escrevo
esse texto na quinta-feira, dia 20 de junho de 2013, 4 dias após eu tentar o
maior feito de minha história, em meio à manifestações que se espalham por todo
o Brasil, que inflamam esse país e me deixa cheio de orgulho de ser brasileiro.
É nesse clima de mudanças – que me fez desviar o foco por alguns dias – que
faço esse relato, pois acredito que só a luta muda a vida, e foi lutando muito,
desde o dia 07 de janeiro que mudei a minha.
E na
sexta, dia 14 essa história começou a ganhar além de um desfecho, um clima de
drama. Uma das piores partes foi viajar sozinho. Todas as vezes que viajo pra
longe vou com minha família, dessa vez não foi possível, e mais, era o dia do
aniversário de um ano do Rodrigo, lembrei-me do dia que ele nasceu, era uma
tarde de outono, fria, desajeitada, e eu no ônibus da excursão do Colégio
voltando pra Guarulhos pensando na Vivi e no bebê. Lembrei da tensão que
sucedeu os instantes depois do nascimento e do chorinho estridente de quem
acaba de chegar nesse mundo. A Viviane custou a me convencer viajar sem eles,
era por uma boa causa, como sempre digo, as vezes é preciso dar um passo atrás
para depois dar dois a frente.
Muita
coisa marcou essa preparação, mas destaco uma música da banda Titãs que
descreve bem o modelo de vida que a Viviane e eu escolhemos pra nós, inclusive
é isso que ensinaremos ao nosso filho:
Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...
Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração...
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...
Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr...
Tudo bem
que a música faz uma menção póstuma, mas não é esse o meu – o nosso – caso, mas
a proposta é amar mais, desejar mais, viver melhor, observar as pequenas e
preciosas coisas da vida. Obrigado Viviane por fazer de mim uma pessoa melhor.
Dormi
pouco, e muito mal na sexta, era muita informação na minha cabeça, acordei por
volta de 4:30 da manhã, tomei um mate e parti rumo à POA. Já no saguão do
aeroporto pude observar ao menos meia dúzia de corredores aguardando o voo. Com
um pequeno atraso lá fomos nós. Antes de entrar na aeronave ainda dei uma
última olhada pra trás e me despedi “de casa” com um aperto muito grande no
peito.
Para
apimentar um pouco mais o clima quando liguei a TV do avião estava passando um
episódio do Pocoyo, um desenho animado cujo Rodrigo é muito fã. Milhares de
coisas se passaram pela minha cabeça, mas já havia ido muito longe, e não havia
alternativa senão seguir.
O voo foi
muito tranquilo e quando o avião descia em POA pude contemplar a onipotente –
Só que jamais maior que o Monumental – Arena do Grêmio, está bonita, mas não me
sinto em casa com ela. Desembarquei em Porto Alegre com um clima próximo do
16°, nada mal para uma maratona, pelo menos foi o que pensei, mas lá na frente
isso teria um alto custo.
No
aeroporto encontrei mais alguns corredores e fomos buscar o kit com o
transporte que o evento – aprenda Yescom – disponibilizou. Kit retirado mais
uma vez utilizei o micro-ônibus cedido pela organização que me levou até a
porta do hotel – mire-se Yescom.
Percurso que seria vencido por mim
Entrada do Jockey, onde termina a maratona
Depois de
tudo acertado foi um momento de olhar com mais calma para Porto Alegre,
respirei bem fundo aquele ar quase provinciano de uma metrópole que cresceu mas
não perdeu sua essência gaúcha. Fui até o charmosíssimo Mercadão, comprei erva
mate, subi no mezanino e fiquei por muito tempo comtemplando aquele lugar que
me parece tão íntimo, tão meu. Minha querida Porto Alegre.
Reservei
um pedaço do dia para visitar o grande amigo Joé, e após fazer uma visita muito
especial aos grandes afilhados Sandra e Leandro, bem como a mais nova
gauchinha, a Júlia. Foi muito bom, sobretudo pelo clima de descontração, pois
por alguns instantes tínhamos tanto do que rir e conversar que me esqueci do
que vinha pela frente. Inclusive um belo jantar a base de macarronada,
oferecido pela Sandra para reestabelecer minhas reservas de carboidratos, de
volta ao hotel arrumei as malas e separei tudo para o dia seguinte, tudo
devidamente na sequencia: tênis, gel, meias, camiseta, número de peito etc. Até
que não custei para pegar no sono, estava de fato muito cansado. Até tentei
fazer umas contas, mas... Contas? Ah sério mesmo? Sim, precisava me distrair
com algo, mas não passou mesmo de uma ideia idiota, peguei rápido no sono e só
me dei conta disso quando às 4h45 o celular tocou, em seguida a Viviane me
ligou e logo após o telefone do hotel, fui bombardeado por todos os lados, era
hora de ir.
Me vesti
e assim que desci já encontrei outros corredores no saguão do hotel falando
adivinham sobre o que? Tinha gente de todo o Brasil, Pará, Florianópolis,
Curitiba, Bahia, Santos e muitos gaúchos vindos do interior. Peguei uma carona
com um grupo e fomos nós rumo à largada. Estava por volta de 11 graus quando
cheguei lá, mas logo me desfiz do casaco e fui me aclimatando. Faltando pouco mais
de 20 minutos para a largada eu sentei em uma pedra na beira do Guaíba e por
ali fiquei por algum tempo, deixei a mente ir embora, muita coisa passou pela
minha cabeça, muita. Talvez não caiba aqui, mas, sobretudo era minha família,
meu filho e aquele chão que eu pisava. Um curta de aproximadamente 8 meses de
planejamento e 6 de treinos, mas definitivamente não havia tempo para mais nada,
todo “ensaio” já terminara, toda margem de erro também, a brincadeira havia
ficado séria, era hora de encarar o que muitos se quer pensaram em fazer por se
tratar de algo “impossível”, chegara a hora de colocar, ou não, meu nome na
lista dos MARATONISTAS.
Alonguei,
aqueci, alonguei de novo e fui rumo à imortalidade, editar mais uma vez essa história
que começou 8 meses atrás e que por muitas vezes esteve ameaçada.
Antes de
qualquer cerimonia foi dada a largada. Muita euforia, muita gente feliz,
sorrindo, zerando cronômetros, apertando as mãos do colega que estava ao lado,
tapinhas nas costas, pulinhos, breves alongamentos que se fazia muito mais pelo
nervosismo do que pela sua funcionalidade, e com a trilha sonora “Carruagem de
Fogo” passei pelo tapete. Comecei a dar os primeiros passos sem me dar conta do
que realmente estava acontecendo, isso eu só saberia bem mais tarde, era uma
peleja muito brava, muito dolorida, mas eu tinha que seguir. E estava apenas
começando.
Fui
observando todos que estavam por ali, ao passar pela placa cujo dois dígitos
marcavam 41 olhei para um cara do meu lado e disse: “Tem muito chão até chegarmos aqui”. Ele riu mais de nervoso do eu
por simpatia, algo me dizia que eu certamente alcançaria aquela placa.
Eu dividi
essa maratona em três partes: a primeira ia do zero ao 25° quilômetro,
distância que é “moleza”, depois viria a pior parte, do 25° ao 35°. Os próximos
10 km seriam a pior parte, uma vez que existem diversos aspectos contrários,
muito vai-e-vem e curvas no percurso, as dores depois do 30° quilômetro, a
ansiedade de terminar logo a prova e certa monotonia, monotonia é a palavra
perfeita para descrever essa parte da prova. Um ir e vir eterno, sem fim, chato
que demoraria quase uma hora até eu chegar finalmente de volta à Orla do
Guaíba, mas que certamente seria a peça chave. Se eu vencesse esses 10
quilômetros essa maratona seria minha, era uma “prova dentro da prova”.
A última
parte é sem dúvidas a mais animadora. Bom já é o 35° quilômetro, daqui por
diante ainda que eu tivesse que rastejar eu chegaria, além do mais, já sai do
“labirinto”, mesmo consumido por dores e cansaço é a parte que você ressurge, é
a parte que você volta a se animar, pois além de ter passado a pior parte só
faltam 7 quilômetros. Isso é a teoria, a prática é bem outra.
Para quem
conhece Porto Alegre sabe que a orla do Guaíba forma um grande leque, ou seja,
para quem está enxergando a torre do Gasômetro tem a impressão de que ela está
bem perto, quando na verdade é preciso andar um grande raio para alcança-la. Um
tempo depois passei pela primeira vez em frente à ela, e sabia que mais três
vezes se fariam necessárias. Entrei na parte do Cais e logo a primeira esquina
foi dobrada, estava indo em direção ao Centro de POA, passei por um gaiteiro
que ponteava um tango, o aplaudi e ele retribuiu a gentileza abrindo levemente
o fole. Passei pela lateral do Mercadão e rumei o sentido bairro. Tango, no
meio de uma maratona? Coisas que só se vê no Sul.
Começou
logo ali meu primeiro drama, cãibra, no quilômetro 12, isso mesmo, logo no
décimo segundo quilômetro me deu cãibra. Entrou ai uma série de técnicas que
aprendi ao longo desses meses de treino, cãibra no quilômetro 12 é coisa de
amador, saber lidar com isso é coisa de gente bem treinada, mudei um pouco a
mecânica e segui (Obrigado Alcides, por ter me ensinado o “pulo do gato”).
No
quilômetro 15 a Maratona chegou à parte chata, bairro, ruas desertas, apenas
corredores, e gente passando apressada com sacolas de padaria, certamente
achando que nós corredores estávamos apenas atravancando o caminho. Ainda
estava na parte “fácil” da corrida, os primeiros 25 quilômetros não deveriam
ser de muitas novidades, de fato não foram nos treinos, mas na hora da corrida
apareceram várias. Ao passar pela placa de 18 veio uma das piores partes, a longa
Avenida Ipiranga, são 2,5 quilômetros de ida e outros 2,5 na volta, um tempo
chato de corrida, você percebe ao ir que terá um entediante caminho para
trilhar no retorno, e aquele negócio não acabava mais. Um monte de gente já
chegando ao final dela e eu apenas iniciando, mas enfim, para chegar no 42
teria que passar pelo 23.
Quando
passei pela placa de 21 perguntei o tempo para um corredor, 2h01, um pouco
abaixo do que havia pensado, imaginei passar meia maratona na casa de 2h10 ou
2h15, cheguei a cogitar um Sprint Negativo, mas não era hora de inventar moda,
o importante mesmo seria terminar bem.
Alguns
sinais me alegraram diante de toda dificuldade, em uma janela de apartamento
tinha um pano branco pendurado escrito “Já
foi metade”, em outro um pouco mais à frente estava escrito “Os moradores de Porto Alegre saúdam todos
os corredores da 30° Maratona Internacional”. No final da Ipirangaum grupo de velhinhos com térmicas e
cuias nas mãos aplaudiam todos que passavam, acenei e agradeci a força e uma
senhorinha disse: “Ai que lindinho, força
meu filho, você consegue”. Vou falar a verdade, meus olhos se encheram de
lágrimas.
Já tinha
ido metade e a hora mais amarga da peleja ainda estava por vir. Ao passar pela
Azenha, depois da placa 25 olhei para meu lado esquerdo e lá estava ele, o “Velho Casarão” já quase tapera, palco
de grandes glórias e emoções, recinto de momentos maravilhosos vividos ao lado
de alguém que amo muito e que por diversos motivos hoje não estava presente.
Mais uma vez meus olhos lacrimejaram, não havia a menor possibilidade de evitar
as lágrimas, e para ser franco eu também não queria evitar, passei por muita
coisa antes de pisar aquele chão sagrado, era de fato o momento de expelir
emoções. Por um instante sai de mim e me remeti ao longínquo julho de 2009, o
Tcheco e Máxi Lopez comemorando com a Geral e o Olímpico balançando, cantando
ensandecido “Eu sou borracho sim, senhor”.
No meu coração eu sei, foi a última vez que o vi em pé, sua implosão será no
próximo outubro. Foi a última vez que o olhei antes de “fecharem o caixão”. Me
despedi dele com um punho erguido pedindo forças, talvez essa corrida fosse
também em sua homenagem, não era a toa que o maior desafio de minha vida estava
sendo travado ali, em Porto Alegre. Em seguida pensei: “já se foi a primeira parte, acabo de passar pelo vigésimo quinto, é
hora da peleja brava“.
As
emoções começaram a se misturar, a cabeça parecia não aguentar, desliguei o MP3
e passei a monitorar minhas passadas com mais calma, a cãibra de quando em
quando dava uma fisgada que me subia um frio na espinha, “a lá puxa” que susto,
que dor.
Quando
entrei na Avenida Praia de Belas por volta do 27° a maratona deu suas caras, uma
velha e conhecida dor na virilha, fruto de um longão de 36 que fiz começou a me
assolar. A segunda parte da Maratona estava apenas no quilômetro 2 e precisava
ser forte, dores eu aguento, mas o quanto?
A única
dor que eu não suportaria é se acontecesse algo com meu filho, a dor da
maratona eu devo aguentar. Passei muito tempo longe dele para treinar, e quero
que ele tenha orgulho de mim por isso.
Depois
dos 35 a maratona mostra sua cara, é a hora que ela se revela, é a hora de
pagar o preço exigido, é a hora que começa a doer. Mas eu estava ainda no 28°.
Algo peculiar me chamou atenção, os Staffs colocavam os copos de água sobre
mesas separadas, isso mesmo com papeis escritos à mão separava Gelada de
Natural. Que coisa incrível, onde é que se foi visto isso? Morra de inveja
Yescom.
Passei
finalmente pela trigésima placa, a dor estava batendo forte agora. Pois é, isso
se chama MARATONA. Acho que atingi aquela parte da corrida que alguns juram
estar anestesiado, passei a não entender mais nada, se quer porque ainda
continuava a colocar um pé na frente do outro de maneira tão frenética,
desajeitada, desengonçada e sei lá mais o que. Avistei uma longa avenida cujo
no seu final apresentava-se a parede lateral do Mercadão, me animou ver isso,
mas logo o desânimo bateu. O que vi pode ser facilmente descrito como uma cena
de guerra. Gente pelo chão gritando de dor. Como bons amadores que somos formamos
involuntariamente uma espécie de “pelotão do fundão”, corremos juntos por tanto
tempo que acabamos reconhecendo todos os rostos, uma hora eu passava alguns,
outra hora alguns me passavam, mas estávamos sempre por perto, inclusive um
corredor que trajava uma meião azul apenas na perna direita. Ele parava toda
hora para alongar. Alguns sentavam no chão e se entregavam... GAME OVER. “Não posso mais continuar” alguns
diziam. Quando alguém via uma ambulância pedia socorro.
Meu
psicológico foi lá no topo. A bem da verdade eu não conseguia mais correr, e ao
ver tanta gente desistindo eu sentia sim vontade de parar. As forças exógenas
se fazem necessárias nessa hora, pensei na minha família, pensei no meu filho
que estava tão longe de mim. Um tempo depois meu telefone tocou e a vozinha do
meu filho acordando foi a melhor coisa que eu poderia ouvir naquela hora. A
Viviane me disse muita coisa que agora não me lembro mais, certamente foi um
divisor de águas. Parei de correr no quilômetro 34 e terminei a conversa muito
emocionado, já se passavam das 3 horas de prova, e havia pelo menos mais 1
hora. Continuei andando porque não conseguia mais correr. Na placa de número 35
eu sentei no chão.
Aconteceu
aqui uma das histórias mais estranhas dessa corrida, uma senhorinha veio na
minha direção e me ofereceu um Anador. “Como
assim?”, pensei. Ela disse que esperava pelo seu filho, que a orientou a
ficar exatamente ali, na 35° placa. “Meu
filho disse que é aqui que começa a doer muito, e estou vendo que você está com
muitas dores”. Me deu o comprimido e um copo de água. Agradeci muito, muito
mesmo, chorando, apertei a mão dela. Torci muito para que o filho dela não
tenha sido um daqueles que haviam ficado pelo caminho e percebi que precisava
continuar.
Levantei
e alonguei bem, mas muito bem mesmo, até quase estourar, isso funcionava nos
treinos e havia de funcionar ali. Está vendo como 6 meses de treinos te deixa
calejado?
A segunda
parte do desafio já estava vencida, agora certamente essa última parte seria
mais fácil, como de fato foi. Passei pela última vez pela torre do Gasômetro e
peguei o rumo da Avenida Beira Rio. Placebo ou não as dores acalmaram, o que vi
depois disso foi que o maior desafio de minha vida nunca esteve tão próximo,
nunca havia sido tão “tocado” como naquele momento. Os quilômetros finais foram
sendo vencidos um a um, minhas pernas doíam, mas ainda aguentavam. Lembrei do
Clebão, treinador e amigo, que me fez puxar tanto peso que me deixou forte
quanto um titã, meu nervos haviam se transformado em um emaranhada de aço.
Clebão, amigão, treinador e incentivador.
Muita
gente com dificuldade no final, mas iam seguindo. Um casal cuja mulher não mais
suportava pisar no chão seguia em frente. Um corredor que conheci no saguão do
hotel estava na minha frente, coloquei a mão no ombro dele e percebi que corria
com muita dificuldade, nessa hora percebi que eu ainda estava bem, digamos que
entre os retardatários eu era um dos que estava melhor. Avistei outra vez o
Gigante Colorado, lindo, me dizendo que agora já passava do trigésimo nono
quilômetro. A maior distância que havia percorrido tinha sido 36 e eu estava
acima de tudo que já havia experimentado.
Foi a
hora de maior certeza dessa empreitada, ali eu já sabia que essa eu não perdia
mais. Mais algumas curvas e avistei o edifício Iberê Camargo. Passei aplaca de
número 41 e lembrei que horas antes eu estava tomado de incertezas quanto ao
meu retorno até ali. Comecei a chorar incondicionalmente. Haviam muitas pessoas
recepcionando os corredores que chegavam, muitos uruguaios e argentinos estavam
lá devido à proximidade com as fronteiras, e com um bom castelhano gritavam “Siga, siga, siga”. Fiz o que eles me
mandaram e segui. Havia muita gente formando um grande funil na chegada, tanto
que ao fazer acurva do Barra Shopping e pegar a reta final mal consegui ver a
placa de 42. Faltavam apenas 195 metros e o pórtico estava de braços abertos
para que eu o ultrapassasse. E assim o fiz.
Qualquer
um pode se tornar um maratonista? Acredito que sim, poder todos podem, e
querem, mas sair da zona de conforto é que é difícil. Em uma rápida
contabilidade os números de um maratonista espantam. Foram 8 meses de
planejamento 6 de treino, muita musculação duas vezes por semana,
aproximadamente 800 quilômetros percorridos entre tiros, fartlek e longão mas
finalmente eu tinha acabado de entrar na lista de MARATONISTAS.
A
Maratona vende caro. Muito caro, eu entendi perfeitamente suas mensagens: “Você sairá por ai anunciando seu triunfo,
sua glória, tudo bem eu deixo, mas vai doer”. Por diversas vezes ouvi sua
voz me amedrontando. Se senti medo? Por suposto que sim. Levante a mão o
vivente que não sentiu o drama de encarar 42.195 metros. Levante a mão aquele
que achou que foi fácil. Mas aprendi que posso qualquer coisa na minha vida,
desde que eu queira muito, desde que me prepare para isso. O dia 16 de junho de
2013 foi um dos dias que mais aprendi na minha vida.
Devo fazer uma breve referência a Yescom Brasil:
Obrigado por ter feito de mim um cara obcecado pelos 42.195 metros, hoje SOU
MARATONISTA.
Ainda não
acredito, de verdade, passei tanto tempo ouvindo tantas pessoas falando de
maratona que de fato custo acreditar que bati essa meta. Muitas outras virão,
em outubro tem outros 42.195, mas essa será marcada para sempre como a
primeira, e tinha que ser lá, tinha que ser em Porto Alegre. Muitos outros
desafios aparecerão, sou inquieto, sou teimoso, e vou atrás. Já penso em uma
ULTRA, em abril de 2014, já penso em voltar à POA para comemorar um ano da
primeira grande conquista, já até pensei em correr ao longo de minha vida uma
maratona em cada capital desse país – se é que tem em todas as capitais – mas
essa será sempre recordada com carinho, será sempre lembrada como o dia que eu
aprendi ser capaz.
Até onde
nosso corpo suporta somos seres-humanos. Após isso somos MARATONISTAS. E eu
agora sou um!
Essa é
certamente uma daquelas corridas que não se pode perder. Preço acessível, bem
pertinho de casa e um público selecionado. Sou a favor da democracia plena nas
corridas, sim, mas é que a Corrida da Amizade organizada pelo Nippon Country
Club não é muito divulgada.
Por volta
do meio dia peguei o Sensei e rumei para o local da corrida. Chegando lá recebi
muitos abraços de alguns amigos de corrida me apoiando nessa reta final de
preparação para a maratona.
A corrida
começou pontualmente às 14h e logo os grupos se separaram. Eu mantive um pace
inicial na casa dos 6’, mas depois desci um pouco. Com percurso bem plano que
começa dentro do clube e é completado com uma volta na avenida ao lado.
Era na
verdade só uma rodagem, sem qualquer compromisso com tempo, uma vez que preciso
fazer a rodagem obrigatória para a maratona. Terminei por volta de 24 minutos,
com um belo Sprint no final. Nada mal para uma corrida-treino.
A tempo:
a próxima vez que calçar meus tênis em uma corrida oficial será para percorrer
42km, a próxima vez que colocar um número de peito nela estará escrito
MARATONA, da próxima vez que passar por uma linha de chegada será para entrar
para a incrível e seleta lista de maratonistas.
PS: a
data da corrida Nippon foi 30 de maio, mas devido à inúmeros compromisso, e
principalmente problemas com o servidor do blog só agora esta pôde ser postada.