domingo, 13 de outubro de 2013

Nosso caso de amor e ódio



Era para ter sido há seis meses. Ainda assim porque havia uma pendencia entre ela e eu, pois eu a escolhi para ser minha primeira. Era para ter sido porque eu a desejei desde exato um ano atrás, no dia da corrida do Bradesco que ocorre já essa semana. Eu a imaginei. Era para ter sido, pois treinei duro para conquista-la. E por um triz não me escapou pelas mãos. Era pra ter sido porque era questão de honra pra mim. Era pra ter sido porque no ano passado tive que pegar o caminho mais curto por conta das lesões nos joelhos. E principalmente era pra ter sido porque ouvi dizer que ela era a mais difícil de todas. E é. Era pra ter sido porque eu precisava fazer a manutenção do meu título de MARATONISTA conquistado em junho em Porto Alegre. Era para ter sido sim, e no último domingo eu me vi frente a frente à ela... E me assustei.
E por fim, após tanto tempo, nesse domingo eu escrevi o último capítulo da novela Maratona de São Paulo 2013, que começou como citei acima a exatos doze meses atrás, daí vocês já sabem. Retirei o kit no sábado, junto com a Vivi e o Rodrigo, foi bem tranquilo, pois o Rodrigo deu uma ajudinha e eu passei na frente pois nesse caso eu era preferencial.
Tinha francamente lá minhas dúvidas em torno dessa prova, apesar de ter treinado bem e me preparado psicologicamente. Na noite do sábado para domingo tive um início de crise nervosa e insônia, que me fez acordar às 4h30 e daí por diante foi “um baile” só. Levantei às 5h30 e fui me arrumar. Peguei o Alcides e o Sensei e fomos batendo um papo descontraído até o Ibirapuera. Logo encontramos alguns amigos e nos instalamos na tenda Eco, do simpático amigo Kleber, que sempre dá uma força nos nossos treinos lá no Bosque. Papo vai, papo vem e o Sol resolveu dar o ar de sua graça, sem ser convidado, diga-se de passagem ninguém o convidou para a festa. Daí a premissa de que a peleja seria braba.
Após concentrar-me com um pouco de Vivaldi, coloquei um metal bem alto e fui para a linha de largada, fiquei por ali uns 5 ou 10 minutos até ver o pórtico de largada subir. Já não havia mais aquele desespero de principiante da primeira maratona, isso eu deixei lá em Porto Alegre, mas maratona é maratona, ou vice-versa, e no espaço de 42.195 metros muita coisa pode acontecer. Fui indo e observando alguns rostos conhecidos passarem, alguns não conhecidos, mas felizes também, iam dando passos rumo à ladeira como se nada demais estivesse acontecendo ali. Algumas vezes pensei: “Quero ver esse sorriso na saída da USP.” Ah, a temida USP.
A primeira vitória, e satisfação pessoal vieram logo no quilômetro 06, e abro um parêntese para o discurso do grande amigo Itimura ao dizer que a placa dos 10 km separa homens de meninos, e a placa dos 25 separa homens de loucos. Lembro-me muito bem nessa mesma maratona, ano passado eu tive que passar reto pela placa que separava homens de meninos, eu era só um menino, um menino com CONDROMALÁCIA nos joelhos, um menino que pensou jamais tornar-se homem um dia. Olhei bem para ela e ri, com certo ar de deboche e pensei: “Hoje não. Hoje eu vou para os 42. Hoje eu vou para onde vão os homens-maratonistas”
E fomos nós descendo rumo à Marginal Pinheiros, dava para ver pelos prédios, sempre imponentes que o glamour e o mau cheiro seriam nossos companheiros pelos próximos quilômetros. Não demorou muito enxerguei a Estaiada. Estava lá imponente aguardando todos os corredores de braços abertos, bem como no ano passado senti um nó na garganta ao observar o mar de gente subindo, descendo e sobre ela.
Ao passar pela Estaiada já entrávamos no 11° km, o sol já castigava e deixava bem claro que a essa maratona ia vender muito caro. No final de uma reta quase interminável e uma placa escrita Ibirapuera me fez tremer... Estava chegando.  Peguei a alça de acesso e atravessei para o outro lado da marginal, a “cor” das ruas e a arborização familiar anunciava o inevitável. Nesse ponto tomei o meu segundo gel e segui adiante firme e forte, pois era preciso, ainda sem dores, um pouco, mas nada que me fizesse pensar nisso agora. Avistei a lateral do jóquei e lembrei da Meia de Sampa, bah, como fazia frio aquele dia. Meus pensamentos iam muito longe, ainda era cedo para focar em resistência, dores ou qualquer coisa do tipo, era hora de “desligar”, passei pelo jóquei e ao entrar no túnel reparei a placa cujo dois dígitos marcavam o quilômetro 35. Fiz uma conta bem rápida e conclui que “se ao sair da USP estarei no 34° e acabo de passar pela placa de 35, vai ter um vai e vem terrível”.
Ao passar pelo outro lado, no sentido contrário dava para ver a entrada da USP e a placa de 22. Os quilômetros que se seguiram foram “o silêncio que precede o esporro”, corri quase anestesiado, apesar de todo esforço que demanda uma corrida desse porte eu quase não senti os 4 quilômetros que percorri, minha obsessão era ela. Era chegado o momento, e eu não me fiz de desvalido.
Ao passar pela placa de 20 peguei uma garrafa com água e fui com ela até a de 21, tomei meu terceiro gel e mais uma vez não senti os 1000 metros que me separavam do até então meu algoz, rival e maior desafio.
Entrei com a cabeça erguida e firma, no lugar, a placa de 33 no sentido contrário anunciava que oficialmente acabara de ter início a “Batalha da USP”, a “Corrida Dentro da Corrida”. Em minha primeira maratona eu dividi a prova em três partes, com metas diferenciadas.  Em especial um das mais difíceis era entre os quilômetros 25 e 35, pensei que se chegasse de volta ao Gasômetro, certamente eu ganharia a maratona. Dessa vez o triunfo seria a USP por tudo o que falaram dela, por tudo que planejei ali, pela solidão, o sol, o vai e vem, o zigue-zague, e a chegada dos 25 km, que me fez tomar um baque.
Cometi dois erros bobos que quase me custou a maratona, primeiro que planejei – e treinei – tomar um gel a cada 7 km, acontece que só coloquei no bolso 4 sachês, ou seja, se tomasse um gel dentro da USP faltaria um lá na frente. Do ponto de vista psicológico isso fez diferença. Outro erro que cometi é que não considerei que no treino, com a mochila de hidratação eu tenho água sempre que precisar, mas na prova não, isso quer dizer que passei o 28° quilometro sem tomar carboidrato.
Antes de entrar na Politécnica veio minha primeira injeção de ânimo, a Claudia e a Bia estavam lá para dar uma força para os amigos. A Bia é uma guria pra lá de especial, que mesmo com suas limitações consegue ser a corredora mais feliz e charmosa que conheço. E a Claudia, sua mãe é uma pessoas muito simpática, que envolve à todos com seu carisma, dei uma abraço nelas e disse que estava com muitas dores, mas era preciso seguir.
Eu tinha traçado uma meta pessoal, que era não caminhar dentro da USP, eu tinha apenas corrido até agora, e não queria esmorecer ali. As dores já me consumiam, a panturrilha queimava, e as dores na virilha apareceram sem avisar. A USP não é tão temida a toa, ali dentro além de tudo tem a marca que separa homens de loucos, a marca dos 25 realmente é um teste para poucos, e, principalmente loucos. O problema é que enxergar um pórtico de chegada a essa altura é como ver um lago azul e cristalino no meio do deserto. Sim, uma miragem. Pessoas erguendo as mãos, recebendo seus parabéns, com suas medalhas no pescoço tomando água fresca – e não a quente servida durante a corrida, alguns deitados no chão, outros indo para o ônibus, na sombra tomando um isotônico e eu ali, correndo e me restando ainda 17 quilômetros para chegar. Senti vontade de para ali sim. Mas segui, minha batalha pessoal dentro da USP ainda estava em andamento. Essa “marra” me custaria muito caro, talvez eu devesse ter dado uma parada para esticar, mas não quis, e as dores aumentaram, se seguisse dentro da proposta a “parada” seria após a placa de 34. Na passagem do 29  para o 30 tive uma agradável surpresa, meu telefone tocou e era a Viviane, dizendo que estava me esperando lá na chegada, junto com meus sobrinhos e minha irmã Alessandra. Muita emoção, gás renovado, vamos em frente.
Não demorou muito começou o ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague, ir e vir, entra em rua, sai de rua, curva para a direita, curva para a esquerda, zigue e zague... Aquilo não terminava nunca. Ai que inferno!
E depois disso tudo, por fim, escutei um “professor”, de uma dessas assessorias esportivas gritar: “vamos galera, já vai passar a placa dos 34”. Isso significava, pra mim, uma vitória pessoal, a Batalha da USP havia terminado, e eu estava saindo vencedor. Ao passar pela portaria tentei sorrir, mas não teve graça alguma, como citei anteriormente deveria ter parado para alongar, talvez estivesse com menos dores, mas não o fiz, e o preço estava sendo pago. Resolvi não parar até a placa de 34, onde por fim, fiz um “Pit stop”.
Lá pelas bandas do trigésimo quarto havia um posto de isotônico, tomei 2 sachês, o que me aliviou um pouco, continuei caminhando. Correr ainda estava em meus planos? A caminhada foi até o próximo posto de água. Tomei meu último carboidrato e parei para alongar. Fui até a mureta próxima e fiz o que pude, as dores estavam chegando aos limites suportáveis, ou onde achava que ainda suportaria. Após alongar segui andando, um quilômetro era minha meta, precisava dar um tempo.
Entrei no mesmo túnel que tempos antes alocava a placa de 35 e fui em direção à ela, cheguei a pensar, francamente em terminar a prova andando, não havia a menor chances de voltar a correr. Passei pelo posto de “frutas secas” e me deram laranjas... Isso mesmo, laranjas. Achei estranho, mas aceitei de bom grado, nessas alturas valia tudo. Os ânimos estavam repostos e tentei voltar a correr.
Tive muitos inícios de cãibras, nas coxas e panturrilhas, pensei que ali findaria o sonho da Maratona de São Paulo, mas ao continuar a correr senti que iam diminuindo até quase desaparecerem. Isso é claro, graças ao meu intenso trabalho de fortalecimento muscular. Valeu mais uma vez Clebão. Entrei no túnel Jânio Quadros após a placa de 36. Bah, faltava muito pouco e eu precisava terminar, seis quilômetros é muito pouco mesmo, mas não para quem já correu 36. O túnel é terrível, outro vira-vira e pior, gente gritando. Como esse povo conseguia forças para gritar? Deve ser adrenalina, pois bem sabíamos que ao chegar ali era praticamente certo de que a linha de chegada seria cruzada. Fui colocando freneticamente um pé na frente do outro até enxergar, por fim, a “luz no fim do túnel”. Não sem antes uma subida nos padrões “fodásticos”. Par minha surpresa a placa de 40 já poderia ser vista, mais uma ligação da Vivi e a certeza de que independente de qualquer coisa eu precisava continuar correndo. Muitas pessoas já eram vistas por ali dando os parabéns à todos que passavam.
A emoção tomou conta, aquele sentimento de completar uma maratona me preencheu outra vez, revivi Porto Alegre, que sentimento maravilhoso, como é bom ter outra vez a certeza de que tudo valeu a pena e que mais uma história acaba de ser composta, é a certeza de que tudo o que foi feito ecoará na eternidade. Mais uma vez MARATONISTA.
Fiz a curva à esquerda cujas visões principais temos do lado esquerdo o Ibirapuera e à frente o Monumento aos Bandeirantes       . O último posto de água coincidia com a placa de 41 quilômetros ainda nessa reta final havia muita gente se “espremendo” para que pudesse completar a maratona. A última curva se apresentava à minha frente e ao passar pelos Bandeirantes segui reto rumo a glória redentora. Contornei lateralmente o Ibirapuera em busca daquele que seria meu último e mais delicioso esforço, ao avistar MINHA FAMÍLIA me aproximei e ganhei, além de um beijo da Viviane o sorriso e o abraço de meu filho. Foi uma das sensações mais maravilhosas que já tive. O peguei e segui fui completar a maratona, ele ia dando uns gritos, um misto de emoção por viver algo inédito em sua vidinha, ou por estar ao lado do pai. Duas certezas eu tive àquela hora: a de que ele não sabia de fato o que estava acontecendo ali e sua real importância e que um dia ele teria orgulho de mim, por tê-lo inserido em um momento único e tão fascinante. E com ele no meu colo cruzei a linha de chegada. MARATONISTA, outra vez! Eu a amo e odeio ao mesmo tempo. Ela me maltrata, me machuca, ainda assim não sai da minha cabeça. Quanto mais ela me bate mais eu a amo. Esse é o nosso caso de amor e ódio, assim somos nós... A Maratona e Eu.

Obrigado, meu filho, por fazer de mim um homem tão forte. Mais uma vez eu corri por ti, meu guri!















sexta-feira, 11 de outubro de 2013

24 horas e 16 km



Como parte de meu treinamento para a Maratona de São Paulo, no domingo dia 21 de setembro participei da Corrida 24 Horas na Pista, iniciativa da Prefeitura de São Paulo, por conta da Virada Esportiva.
Fui nessa prova ano passado, mas em equipe, como me F*$#@*& dessa vez resolvi fazer solo. Pensei em fazer 30 km, uma vez que ainda estava no pique, mas pensando bem...
O dia amanheceu nublado, cinza e sem graça, para piorar no meio do caminho começa a chover, e como “gato escaldado” pensei em voltar e dormir um pouco mais, assim levantaria mais tarde e faria meu treino. Em seguida resolvi não deixar para depois, já estava ali mesmo.
Retirei meu kit sem maiores problemas, não havia ninguém mesmo, comecei a correr por voltas de 8h e ao longo que fui rodando percebi que os 36 km da semana passada ainda estavam fazendo diferença. Essa corrida foi no mínimo estranha, por todos os moldes que a cercou. Chuva, frio, garoa, o corpo reclamando e a pista que não ajuda muito. Não sei bem o que é mas tem uma “areia” preta, ou uma terra, sei lá, que gruda no tênis e na meia, bem como na pele e haja saco para tirar aquilo. Isso foi me incomodando durante todo o decorrer da atividade. Além de tudo, meus planos era fazer um treino longão com o Alcides, mas infelizmente o mesmo não pode estar presente, correu no sábado. Assim sendo fiz rapidinho algumas contas e resolvi rodar apenas 16 km, 10 milhas, ou 40 voltas.
Foi um bom “treino” acho que forçar agora não me fará bem, afinal são apenas 15 dias até a maratona, e meu maior treino foi semana passada. Convém repousar e deixar o corpo ir se familiarizando com o que vem por aí.
Semana que vem vou para me “refúgio”, fazer o último treino que resta até o tão aguardado dia. Na estrada municipal Ary Jorge, um lugar bucólico e tranquilo, propício para quem quer repor energias, apesar de ir lá gastar alguma. É momento de esfriar a cabeça e olhar para o futuro, de correr em meio à natureza, gente simples e alguns cachorrinhos que insistem em me seguir latindo para me assustar.

Até lá...