As verbalizações estão por toda parte, em alta. E olha que já não são poucas: Caetane-se, Olodunze-se, Buarque-se, e...
De modo que aproveito
a ocasião para criar outro: “Sãosilvestre-se”. E todos deveriam
sãosilvestrar-se ao menos uma vez na vida, pois é muito emocionante. Sou do
tipo que cultuo minhas tradições, e bueno... Adoro. Pelo segundo ano
consecutivo participo da corrida mais tradicional do calendário nacional, não é
a mais antiga, uma vez que a Volta da Penha bateu a marca, mas é a mais
afamada. Mas dessa vez teve algo diferente...
Recebi há algum tempo
o convite da Cláudia, criadora do grupo KLABHIA o convite para fazer parte do
grupo do “Pelotão da Alegria”. KLABHIA é um grupo de corredores que milita pela
acessibilidade no esporte, a Bia, filha da Cláudia é especial e participa de
diversas corridas levada por sua mãe, e por isso mesmo “briga” pela
acessibilidade nas corridas de rua. De fato existe certo descaso com os
portadores de deficiência, os cadeirantes que tem um lugar reservado são,
geralmente os da elite, cujo sobre eles brilham determinados holofotes, os
demais não tem os mesmo mimos, por isso p trabalho da Cláudia é tão importante.
Mas ela não peleja só não. Existem outros cadeirantes, e principalmente não
cadeirantes – geralmente familiares e amigos – que brigam junto por corridas
mais plurais.
A Cláudia foi
caprichosa, mandou confeccionar medalhas para todos os corredores – que ela
chamou de anjos – que confirmaram presença no Pelotão da Alegria, e ficou
faceira que só vendo.
Saí de casa por volta
das 6h30, pois não queria pegar trânsito, tampouco encontrar contratempos no
caminho, deixei o carro no estacionamento e fui de metrô rumo à Paulista. A
emoção é grande, essa corrida me leva à reflexão de tudo que vivi, e esse ano
foram duas maratonas, fruto de muito treino e estresse, cansaço e a ausência do
primeiro aniversário do meu filho. Ao pegar a escada rolante que dava acesso à
Avenida meus olhos se encheram de lágrimas, e não fiz nenhuma questão de me
conter. Logo me reuni ai pessoal no ponto marcado e comecei a sentir a boa
atmosfera local, encontrei mais pessoas do que poderia citar aqui nessa
postagem, nem vou citar para não ser injusto com alguém, mas vi e revi muitos
viventes corredores.
A largada foi dada,
ACREDITEM, um minuto antes do previsto. Mas bah... no horário certo já seria um
feito épico, que dirá antes do previsto. Como eu não estava correndo sozinho
fiquei esperando pra largar lá no final, ainda assim mesmo que quisesse eu não
conseguiria coisa melhor, pois estava muito cheio mesmo. Junto com a Bia tinha
outros três cadeirantes, sem contar os que foram sendo agregados no caminho, uma
hora eu contei 8 no nosso pelotão. Passamos finalmente no tapete às 9h55
minutos, o sol já castigava sem pena. A São Silvestre por si já é emocionante por
muito fatores, um deles fica por conta do público que vai nos assistir, eles
aplaudem, gritam incentivam e isso é muito legal, mas dessa vez foi diferente,
pois na hora que passávamos empurrando os cadeirantes os aplausos e os gritos
ganhavam forças. A emoção não poderia ser maior, o início da corrida ainda é
acompanhado por um narrador carismático e democrático que faz a coisa ficar
ainda melhor, sem contar a trilha sonora de Carruagem de Fogo. Quem não conhece
aquele “tã, tã, tã, tã, tãããã, tã...? Mas logo a graça acaba, pois nos damos
conta que tempos que correr 15 km, e isso não é fácil, a euforia do início vai
se findando lá pelo quilômetro 2,5 e começa a peleja de verdade.
Como citado anteriormente
o calor estava pegando, mas dessa vez as coisas aconteceram de forma diferente,
uma vez que quando estou correndo por mim, minha cabeça vai voando, fico pensando
o quanto já corri, o quanto falta, o calor e coisas do gênero, mas dessa vez
estava correndo por muitos, e era uma tarefa e tanto. Tínhamos que ir gritando,
pedindo passagem, tomando todos os cuidados para não causar nenhum acidente ou
imprevisto, já que se trata de um triciclo, tem uma mecânica complexa que pode
sim, machucar. Na maior parte do tempo o problema não era apenas empurrar a
cadeira, tínhamos que manter todos juntos, mas com o passar dos metros o grupo
ia se dispersando, ora por um ter um pace maior que outro, ora pelas paradas
necessárias para a segurança dos cadeirantes, dos acompanhantes, ou até mesmo
para pegar água – fervendo, dava para tomar chimarrão –. De fato era uma tarefa
árdua, mas ninguém, repito, ninguém fez cara feia ou corpo mole.
Nesse meio muitas
histórias são reveladas, um de nossos agregados, tinha sem dúvidas uma história
no mínimo “maluca”, os dois eram deficientes visuais, o que estava empurrando a
cadeira tinha uma perda total da visão, o que ia sentado tinha apenas uma visão
parcial e ainda era portador de retardo mental e falava com extrema
dificuldade. Ambos eram de Belém do Pará e estavam fazendo por onde ter viajado
tantos quilômetros para se “sãosilvetrarem”. O que mais me chamou atenção é que
ele me pedia toda hora pra jogar água na cabeça e nas costas dele, e uma hora
ele me disse, eu não enxergo nada, e ele – o cadeirante – não tem movimentos
das pernas, portanto eu sou as pernas dele e ele é os meus olhos. E eu que
estava já com dor nas panturrilhas não tive coragem nenhuma de fazer qualquer
tipo de reclamação.
Com todas as tarefas
que nos cabiam fomos indo adiante, tudo estava dando certo e a São Silvestre já
caminhava para seu final. Veio a Brigadeiro, que pra mim não quer dize nada, na
boa, é uma subidinha, sem terror, sem pânico, o povo superestima demais essa
parte, já peguei coisa muito pior. E então ao chegar em seu final já dá pra
enxergar os prédios e as antenas da tão citada avenida. Curva para a direita e
entramos, por fim, na Paulista. Vários aplausos, muitos aplausos foram ouvidos
nessa hora, a emoção toma conta de todos, sem dúvidas. A Bia inclusive levantou
e cruzou a linha de chegada caminhando.
Além da medalha
tradicional ganhei uma de mérito dos bravos, só para quem teve a coragem e a
honra de ajudar aqueles que não poderiam por si só estar lá participando da
festa, mas ainda assim se “sãosilvestraram.”
Sãosilvestre-se você
também, vale muito a pena. E que em 2014 os quilômetros se multipliquem. E há
de vir muitos e muitos. Até lá.