sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Sãosilvestre-se você também.




As verbalizações estão por toda parte, em alta. E olha que já não são poucas: Caetane-se,  Olodunze-se, Buarque-se, e...




De modo que aproveito a ocasião para criar outro: “Sãosilvestre-se”. E todos deveriam sãosilvestrar-se ao menos uma vez na vida, pois é muito emocionante. Sou do tipo que cultuo minhas tradições, e bueno... Adoro. Pelo segundo ano consecutivo participo da corrida mais tradicional do calendário nacional, não é a mais antiga, uma vez que a Volta da Penha bateu a marca, mas é a mais afamada. Mas dessa vez teve algo diferente...
Recebi há algum tempo o convite da Cláudia, criadora do grupo KLABHIA o convite para fazer parte do grupo do “Pelotão da Alegria”. KLABHIA é um grupo de corredores que milita pela acessibilidade no esporte, a Bia, filha da Cláudia é especial e participa de diversas corridas levada por sua mãe, e por isso mesmo “briga” pela acessibilidade nas corridas de rua. De fato existe certo descaso com os portadores de deficiência, os cadeirantes que tem um lugar reservado são, geralmente os da elite, cujo sobre eles brilham determinados holofotes, os demais não tem os mesmo mimos, por isso p trabalho da Cláudia é tão importante. Mas ela não peleja só não. Existem outros cadeirantes, e principalmente não cadeirantes – geralmente familiares e amigos – que brigam junto por corridas mais plurais.
A Cláudia foi caprichosa, mandou confeccionar medalhas para todos os corredores – que ela chamou de anjos – que confirmaram presença no Pelotão da Alegria, e ficou faceira que só vendo.




Saí de casa por volta das 6h30, pois não queria pegar trânsito, tampouco encontrar contratempos no caminho, deixei o carro no estacionamento e fui de metrô rumo à Paulista. A emoção é grande, essa corrida me leva à reflexão de tudo que vivi, e esse ano foram duas maratonas, fruto de muito treino e estresse, cansaço e a ausência do primeiro aniversário do meu filho. Ao pegar a escada rolante que dava acesso à Avenida meus olhos se encheram de lágrimas, e não fiz nenhuma questão de me conter. Logo me reuni ai pessoal no ponto marcado e comecei a sentir a boa atmosfera local, encontrei mais pessoas do que poderia citar aqui nessa postagem, nem vou citar para não ser injusto com alguém, mas vi e revi muitos viventes corredores.




A largada foi dada, ACREDITEM, um minuto antes do previsto. Mas bah... no horário certo já seria um feito épico, que dirá antes do previsto. Como eu não estava correndo sozinho fiquei esperando pra largar lá no final, ainda assim mesmo que quisesse eu não conseguiria coisa melhor, pois estava muito cheio mesmo. Junto com a Bia tinha outros três cadeirantes, sem contar os que foram sendo agregados no caminho, uma hora eu contei 8 no nosso pelotão. Passamos finalmente no tapete às 9h55 minutos, o sol já castigava sem pena. A São Silvestre por si já é emocionante por muito fatores, um deles fica por conta do público que vai nos assistir, eles aplaudem, gritam incentivam e isso é muito legal, mas dessa vez foi diferente, pois na hora que passávamos empurrando os cadeirantes os aplausos e os gritos ganhavam forças. A emoção não poderia ser maior, o início da corrida ainda é acompanhado por um narrador carismático e democrático que faz a coisa ficar ainda melhor, sem contar a trilha sonora de Carruagem de Fogo. Quem não conhece aquele “tã, tã, tã, tã, tãããã, tã...? Mas logo a graça acaba, pois nos damos conta que tempos que correr 15 km, e isso não é fácil, a euforia do início vai se findando lá pelo quilômetro 2,5 e começa a peleja de verdade.




Como citado anteriormente o calor estava pegando, mas dessa vez as coisas aconteceram de forma diferente, uma vez que quando estou correndo por mim, minha cabeça vai voando, fico pensando o quanto já corri, o quanto falta, o calor e coisas do gênero, mas dessa vez estava correndo por muitos, e era uma tarefa e tanto. Tínhamos que ir gritando, pedindo passagem, tomando todos os cuidados para não causar nenhum acidente ou imprevisto, já que se trata de um triciclo, tem uma mecânica complexa que pode sim, machucar. Na maior parte do tempo o problema não era apenas empurrar a cadeira, tínhamos que manter todos juntos, mas com o passar dos metros o grupo ia se dispersando, ora por um ter um pace maior que outro, ora pelas paradas necessárias para a segurança dos cadeirantes, dos acompanhantes, ou até mesmo para pegar água – fervendo, dava para tomar chimarrão –. De fato era uma tarefa árdua, mas ninguém, repito, ninguém fez cara feia ou corpo mole.
Nesse meio muitas histórias são reveladas, um de nossos agregados, tinha sem dúvidas uma história no mínimo “maluca”, os dois eram deficientes visuais, o que estava empurrando a cadeira tinha uma perda total da visão, o que ia sentado tinha apenas uma visão parcial e ainda era portador de retardo mental e falava com extrema dificuldade. Ambos eram de Belém do Pará e estavam fazendo por onde ter viajado tantos quilômetros para se “sãosilvetrarem”. O que mais me chamou atenção é que ele me pedia toda hora pra jogar água na cabeça e nas costas dele, e uma hora ele me disse, eu não enxergo nada, e ele – o cadeirante – não tem movimentos das pernas, portanto eu sou as pernas dele e ele é os meus olhos. E eu que estava já com dor nas panturrilhas não tive coragem nenhuma de fazer qualquer tipo de reclamação.
Com todas as tarefas que nos cabiam fomos indo adiante, tudo estava dando certo e a São Silvestre já caminhava para seu final. Veio a Brigadeiro, que pra mim não quer dize nada, na boa, é uma subidinha, sem terror, sem pânico, o povo superestima demais essa parte, já peguei coisa muito pior. E então ao chegar em seu final já dá pra enxergar os prédios e as antenas da tão citada avenida. Curva para a direita e entramos, por fim, na Paulista. Vários aplausos, muitos aplausos foram ouvidos nessa hora, a emoção toma conta de todos, sem dúvidas. A Bia inclusive levantou e cruzou a linha de chegada caminhando.
Além da medalha tradicional ganhei uma de mérito dos bravos, só para quem teve a coragem e a honra de ajudar aqueles que não poderiam por si só estar lá participando da festa, mas ainda assim se “sãosilvestraram.”




Sãosilvestre-se você também, vale muito a pena. E que em 2014 os quilômetros se multipliquem. E há de vir muitos e muitos. Até lá.














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