Quem
já levantou cedo calçou o tênis e foi para a rua correr sabe o quanto é
emocionante. São muitas emoções, que começam muito antes da largada, tu já
sentes a adrenalina na retirada do kit um dia antes, durante a semana,
geralmente se traça um plano, uma meta e uma estratégia para a peleja.
O
coração deve estar preparado, sem dúvidas, e o meu estava. Ah, se estava...
Preparado e apertado.
Na
segunda, dia 11 de junho às 21h30min o telefone toca e eu tenho que sair
correndo (de carro) com a Vivi para o Hospital. O Rodrigo resolveu queimar a largada. Foi uma noite
daquelas, que além de ter que voltar pra casa sozinho ainda ocorreu dois outros
grandes “eventos” nessa mesma noite que nem vou citar aqui, pois realmente
parece demasiado por demais, dá até impressão de ser um roteiro de novela
mexicana.
A
semana se arrastou da mesma forma, árdua, amarga, difícil, sem treino e com
trabalho às tampas. Na sexta, dia 15, por volta do meio dia meu celular toca e
a voz que ouvi do outro lado me fez tremer e subir um frio em minha espinha: “Alô, Ademir. Aqui é o doutor Paulo, como
vai? Vem pra cá que teu filho nasce hoje”.
O
guri é apressado, aprendeu com o pai, mas essa ansiedade pré-parto tem um
custo, nasceu com quase 45 dias de antecedência. Nos deu o maior susto, mas ele
está bem.
Agora
juntando os dois assuntos tratados acima, tenho muitos motivos para colocar meu
coração nesse post, pois, além de tudo que me aconteceu, ainda o escrevo na
madrugada do dia 21 de junho, ou seja, solstício de inverno, meu velho amigo
está de volta, chegou, nessa noite que é a mais longa do ano no hemisfério sul,
a noite em que o Liróca subiu até a torre da Igreja para abrir fogo contra o
Sobrado na trilogia O Tempo e o Vento. Nada mais propício para um post como
esse, onde o coração é quem manda. Esse coração gaúcho que bate aqui nesse
peito está apertado, mas feliz.
Eu
diria que minha maratona começou, de fato com o telefonema da Vivi, soma-se a
semana bem cheia no Colégio e o nascimento do Rodrigo na sexta, foram mesmo
muitas emoções. No sábado bem cedo, o Alcides e eu fomos retirar os kits, já
foi mais um aperitivo, pois já deu pra sentir o clima que estava no Ibirapuera.
Já o domingo começou ainda mais cedo às 5h00. Peguei o Alcides e o Sensei e por
volta das 6h20 min já estávamos no ônibus do evento rumo à Estaiada. O coração
batendo forte, pois nunca havia participado de uma prova tão badalada, com link
ao vivo e transmissão na íntegra pela Rede Bobo, opa, quer dizer, Globo de
televisão – Pelo menos o futebol ficou uns minutinhos de lado, né?.

O
coração levou outro susto ao sinal da largada, pois o sistema de som não estava
nada nítido no ponto onde me posicionei e não consegui ouvir a contagem
regressiva. Se é que teve! Quando dei por mim, ouvi algo que parecia uma
explosão e o pórtico subindo, era um sinal para eu correr, só isso. “Corre, Forest, corre”.
Subi
pela segunda vez a Estaiada, como é lindo estar lá em cima, mais lindo ainda foi
na chegada do quilômetro 1 já na Pinheiros, olhei para a ponte que eu havia
acabado de passar e um “mar de gente” estava triunfante sobre ela, que cena
linda, inesquecível, indescritível. Por um minuto o tempo parou para eu olhar
aquilo, não consigo explicar, só consigo sentir. Como é bom viver. Mas meu
coração não estava na corrida.
Os
quilômetros foram sendo vencidos um a um e na altura do quinto havia um pórtico
separando homens de guris. Meu coração teve um misto de alegrias e tristezas.
De alegria por estar correndo, uma vez que isso já esteve ameaçado, e de
tristeza porque minha meta não era apenas os dez. Mas não tem problema, o Lênin certa
vez disse que de vez em quando devemos dar um passo pra trás para depois dar
dois adiante, e esses dois adiantes darei em breve, muito em breve.

Meu
coração se alegrou por poder mais uma vez subir rumo ao Ibirapuera, se alegrou e sorriu mais uma vez ao ver o Monumento às Bandeiras, que outra vez me olhou e
disse: “Avante, corredor, não desista,
falta pouco”. Meu coração se alegrou
mais uma vez quando enxerguei o pórtico de chegada, e, principalmente se
alegrou ao cruzá-lo. Logo adiante encontrei o amigo Alcides, feliz com minha
chegada, me parabenizou e disse que mais uma vez eu o surpreendi, pois, mesmo
com a lesão no joelho eu sigo em frente, não entrego os pontos, sigo buscando
meus objetivos.
Outras emoções me aguardavam, e uma delas foi colocar a medalha,
mais um símbolo dessa vida de superações, no peito, outra emoção, logo depois foi
acompanhar, pelo telão a emocionante chegada do Solonei, que depois passou na
minha frente, sim, bem na minha frente para sua glória. Ainda voltou para pegar
a bandeira do Brasil com uma guria que estava bem pertinho de mim. Que emoção,
haja coração. Mas meu coração não estava na corrida.

Muitas
coisas se passaram pela cabeça, embora eu saiba – como bom investigador
científico que sou – que o coração não é o órgão responsável pelas emoções, eu
o usei para tentar demostrar, sem muito sucesso, creio, como foi e está sendo tentar
ser forte em um momento de fraqueza. Meu coração está segurando muito bem essa
barra. Joelho lesionado, convênio burocrático, ilegal e imoral, sem
treinamento, muito trabalho, ganho de peso, problemas de saúde na família e agora, meu pequeno
Rodrigo lá internado.
Ainda me lembro no silêncio que vinha da sala ao lado
naquela tarde no hospital que foi irrompido por um chorinho agudo em plenos
pulmões que fez meu coração de pai saltar. Ainda me lembro a cena da Estaiada
tomada de corredores. Ainda me lembro da cena do pórtico subindo e a corrida
começando. E ainda me lembro do rostinho dele, e posso sentir e reviver a cena
de tê-lo visto pela primeira vez, como eu sonhei em olhar pra ele pela primeira
vez, e quanta coisa eu tenho para lhe dizer, para lhe ensinar.

Filho,
não sabes o quanto me é penoso deixa-lo dentro dessa sua “casinha de plástico”,
mas é para o teu bem, e isso me conforta. Um dia tu lerás essas linhas e saberás
o quanto esse teu velho amigo torceu por ti. A única coisa que posso fazer por
ti, por enquanto, é colocar minha mão na tua cabecinha de gurizinho, que é bem
menor que ela e tocar teu corpinho frágil e magro, tocar tua perninha cumprida que
já imagino na maratona, tocar teus braços ainda fraquinhos e longos e
imaginá-los batendo na água. A Mamãe já está uma pilha de nervos pois, eu já
avisei que nós completaremos o Ironman juntos quando você estiver com 18 anos.
Sai logo daí, filho. Estou aqui com o coração apertadinho, que não estava na
maratona por estar aí contigo o tempo todo. Não houve um só centímetro dessa
corrida que eu não tenha pensado em você. Essa medalha é tua também, pois me incentivou a ir buscá-la.
A
melhor sensação que tive até hoje foi a de poder tocá-lo. Se quer pude pegá-lo no
colo, mas esse é o trabalho do pai, agir nos bastidores para que nada saia
errado. Quando ouvi seu choro, ou quando eu coloco minha mão na sua cabeça
percebo que nada do que fiz até hoje tem expressão perto desses singelos gestos,
nada na minha vida valeu tanto a pena, embora eu não tenha ainda se quer
sentido os seus 1,890 kg em meus braços. Quando você vier pra casa colocarei em ti todas minhas medalhas, e um dia tu terá orgulhos desse teu pai que tanto te ama.
Meu
coração não estava na corrida, nem mesmo estava aqui no meu peito, meu coração
está dentro daquele hospital, dentro daquela incubadora, dentro daquele
serzinho que carrega meu sobrenome, meu sangue. Meu coração não me pertence
mais, nunca mais.