Todos
sabem que o coração de um corredor deve estar sempre “em dia”, pois além de
suportar o “repuxo” dos treinos ainda tem que suportar a emoção das corridas. E
mais, sabe-se que uma corrida é emoção garantida. Ah, se é... Não resta dúvida.
Após
um longão de 25 quilômetros o joelho “reclamou” e não tive como não ouvi-lo, se
bem que eu até fingi por um tempo que a coisa não era comigo, mas não teve
jeito, no meio de um fartlek veio uma dor aguda e insuportável. Eu bem sabia do
que se tratava, mesmo assim tentei resolver com diclofenaco, salonpas, gelo e
descanso. Uma semana depois, fui tentar um trote leve e... Dor, muita dor.
Muita sorte termos amigos, e nessa hora foram fundamentais. O Professor
Alexandre já no dia seguinte marcou com urgência um ortopedista especialista em
joelhos, inclusive é o mesmo que cuida do joelho dos atletas aqui de Guarulhos.
Um olhar e dois toques no joelho veio a notícia: ***CONDROMALÁCIA PATELAR***.
A notícia me caiu como uma explosão nuclear. Meu chão se abriu, saí desnorteado
do consultório, não havia me dado conta do que estava acontecendo, a ficha não
caiu na hora, ou melhor, caiu sim, mas eu estava irracional demais para ser
otimista, na hora o que ouvi do médico foi: “Você está com câncer terminal e tens apenas mais uma semana de vida”.
Após
muito conversar com alguns veteranos fui me dando conta de que o problema não
era o fim do mundo, e que eu poderia sim, correr normalmente, desde que eu
fizesse a coisa certa – fui avisado desde o início, mas não dei a mínima – e
procurasse urgente uma academia para fazer um bom fortalecimento muscular. Sim,
fui um grande irresponsável por exigir tanto de minha musculatura sem nenhum
tipo de trabalho de fortalecimento.
A
semana se arrastou, não fui mais mais treinar e nem vi nenhum de meus
amigos-corredores. Mas que semaninha difícil, foi amarga, triste, sei lá, não
consigo definir. Até que a Viviane – que foi minha fortaleza, que me carregou
no colo quando eu mesmo não podia mais com as próprias pernas – disse que era
sim, para eu ir até Jundiaí, ainda que fosse apenas para acompanhar o Wesley e
o Sensei Hideaki. Como de costume, no sábado à noite arrumei todo meu material
pós-prova, o tênis, escolhi uma camisa e fui dormir ansioso, pois muita coisa
me esperava na manhã seguinte.
Pegamos
a estrada bem cedo e logo chegamos ao Parque da Cidade, um lugar amplo,
arborizado perfeito para uma corrida. Kit retirado, camisa colocada, chip no
cadarço e a tensão começou a tomar conta de mim. Só pensava no dor, só focava o
problema, nem deixei o clima gostoso tomar conta de mim, dava sorrisos
discretos, amarelos e sem graça aos amigos que acenavam pra mim, acho que eu já
“comecei o jogo” perdendo de 1 X 0.
Como
citei acima, a corrida sempre nos reserva muitas surpresas, e essas já começava
a mostrar sua cara quando eu olhei no meio do “bolo” de corredores e vi Sandra,
vulgo “Sandrinha”, uma amiga-corredora que me abriu um sorrisão com um misto de
alegria e preocupação. Deu-me um abraço bem forte e foi logo perguntando do meu
joelho. Esse abraço me passou tanta segurança que eu tive certeza que nada de
mal iria me acontecer naquele dia. Com uma experiência de vida de quem pode ser
minha mãe mas com um espírito jovem que possui a Sandrinha me passou alegria,
segurança e vontade de superar-me mais uma vez.
Com
o Wesley do lado fui para a largada, fiquei por ali jogando papo pro ar até que
a largada fosse dada. O percurso não era dos mais fáceis, uma subida “daquelas”
logo na primeira curva, antes mesmo dos primeiros 150 metros. Todo de terra com
muitas subidas e descidas ele passava uma falsa impressão de ser fácil, mas eu
não caí na armadilha dele, e fui seguro e tranquilo no “trotinho”. Não estava
nem ai se fosse o último a cruzar a linha de chegada. Não estava nem ai se
fizesse um tempo muito acima do meu normal, eu queria mesmo era correr, estar
ali no meio, sentir o vento no rosto, ver pessoas, suar e ser feliz.
No
quilômetro 06 – o penúltimo – eu senti uma “fisgadinha” no dito cujo, mas nada
sério, não era mais aquela dor aguda de outrora. Mesmo assim diminui bem o
ritmo. O percurso cheio de idas e vindas fazia os corredores se cruzarem o
tempo todo, e por várias vezes o Wesley e eu nos cruzamos e um gritava para o
outro: “Força aê manooooo”.
Após uma curva bem fechada
enxerguei “ele”, o pórtico, o reduto do triunfo, o descanso dos justos, o pote
de ouro no fim do arco-íris. Mantive o ritmo, sem sprint, sem me afobar. Senti
um nó na garganta, mas não chorei, senti a emoção de mais uma vez estar naquele
ponto da conquista, dessa vez mais difícil, só para a vitória ficar mais
gostosa. E foi.
Cruzei
o pórtico e pude ver que a maioria do pessoal estava lá, e acenaram pra mim.
Coloquei a medalha no peito mas não parei, faltava ainda um grande detalhe:
buscar o soldado que tinha ficado pra trás. Voltei e cruzei o pórtico outra
vez, só que agora de “trás pra frente” e encontrei meu amigo-corredor e
sobrinho Wesley passando pela última placa, dei um abração nele fomos juntos
até o fim, quer dizer, ele até deu um Sprint no auge de sua empolgação, mas eu
não o acompanhei, era o momento dele, e o deixei saborear cada instante de sua
maior conquista, por enquanto. O meu pagamento veio depois, quando ele pegou
sua medalha e a entregou a mim dizendo: “Tome,
coloca em mim.” Foi sua maneira de dividir comigo aquele momento, foi a
forma que ele achou de dar pra mim um pouco de sua glória, sua conquista. Isso é
impagável, emocionante.
Fomos
até a dispersão e quem estava lá me esperando? A Sandrinha e todo o resto da
galera. Mais uma vez ela me abraçou e perguntou do meu joelho, afinal de contas
o percurso era “encardido”. Mas estava tudo bem, eu tinha conseguido, mas desta
vez não sozinho. A corrida é o único esporte individual que se ganha no
coletivo, todos ganham, sempre, você já ganha quando não desiste, já ganha
quando acorda cedo e vai pra rua correr. Depois de tudo foi o momento das
fotos, da harmonia, da bagunça. Nossas missões já haviam sido cumpridas. A
medalha já estava no peito. Mais uma vez.
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Olha a Sandrinha, pessoinha que me ajudou muito |
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