quinta-feira, 7 de junho de 2012

Levanta a cabeça e corre




Todos sabem que o coração de um corredor deve estar sempre “em dia”, pois além de suportar o “repuxo” dos treinos ainda tem que suportar a emoção das corridas. E mais, sabe-se que uma corrida é emoção garantida. Ah, se é... Não resta dúvida.
Após um longão de 25 quilômetros o joelho “reclamou” e não tive como não ouvi-lo, se bem que eu até fingi por um tempo que a coisa não era comigo, mas não teve jeito, no meio de um fartlek veio uma dor aguda e insuportável. Eu bem sabia do que se tratava, mesmo assim tentei resolver com diclofenaco, salonpas, gelo e descanso. Uma semana depois, fui tentar um trote leve e... Dor, muita dor. Muita sorte termos amigos, e nessa hora foram fundamentais. O Professor Alexandre já no dia seguinte marcou com urgência um ortopedista especialista em joelhos, inclusive é o mesmo que cuida do joelho dos atletas aqui de Guarulhos. Um olhar e dois toques no joelho veio a notícia: ***CONDROMALÁCIA PATELAR***. A notícia me caiu como uma explosão nuclear. Meu chão se abriu, saí desnorteado do consultório, não havia me dado conta do que estava acontecendo, a ficha não caiu na hora, ou melhor, caiu sim, mas eu estava irracional demais para ser otimista, na hora o que ouvi do médico foi: “Você está com câncer terminal e tens apenas mais uma semana de vida”.
Após muito conversar com alguns veteranos fui me dando conta de que o problema não era o fim do mundo, e que eu poderia sim, correr normalmente, desde que eu fizesse a coisa certa – fui avisado desde o início, mas não dei a mínima – e procurasse urgente uma academia para fazer um bom fortalecimento muscular. Sim, fui um grande irresponsável por exigir tanto de minha musculatura sem nenhum tipo de trabalho de fortalecimento.
A semana se arrastou, não fui mais mais treinar e nem vi nenhum de meus amigos-corredores. Mas que semaninha difícil, foi amarga, triste, sei lá, não consigo definir. Até que a Viviane – que foi minha fortaleza, que me carregou no colo quando eu mesmo não podia mais com as próprias pernas – disse que era sim, para eu ir até Jundiaí, ainda que fosse apenas para acompanhar o Wesley e o Sensei Hideaki. Como de costume, no sábado à noite arrumei todo meu material pós-prova, o tênis, escolhi uma camisa e fui dormir ansioso, pois muita coisa me esperava na manhã seguinte.
Pegamos a estrada bem cedo e logo chegamos ao Parque da Cidade, um lugar amplo, arborizado perfeito para uma corrida. Kit retirado, camisa colocada, chip no cadarço e a tensão começou a tomar conta de mim. Só pensava no dor, só focava o problema, nem deixei o clima gostoso tomar conta de mim, dava sorrisos discretos, amarelos e sem graça aos amigos que acenavam pra mim, acho que eu já “comecei o jogo” perdendo de 1 X 0.
Como citei acima, a corrida sempre nos reserva muitas surpresas, e essas já começava a mostrar sua cara quando eu olhei no meio do “bolo” de corredores e vi Sandra, vulgo “Sandrinha”, uma amiga-corredora que me abriu um sorrisão com um misto de alegria e preocupação. Deu-me um abraço bem forte e foi logo perguntando do meu joelho. Esse abraço me passou tanta segurança que eu tive certeza que nada de mal iria me acontecer naquele dia. Com uma experiência de vida de quem pode ser minha mãe mas com um espírito jovem que possui a Sandrinha me passou alegria, segurança e vontade de superar-me mais uma vez.
Com o Wesley do lado fui para a largada, fiquei por ali jogando papo pro ar até que a largada fosse dada. O percurso não era dos mais fáceis, uma subida “daquelas” logo na primeira curva, antes mesmo dos primeiros 150 metros. Todo de terra com muitas subidas e descidas ele passava uma falsa impressão de ser fácil, mas eu não caí na armadilha dele, e fui seguro e tranquilo no “trotinho”. Não estava nem ai se fosse o último a cruzar a linha de chegada. Não estava nem ai se fizesse um tempo muito acima do meu normal, eu queria mesmo era correr, estar ali no meio, sentir o vento no rosto, ver pessoas, suar e ser feliz.
No quilômetro 06 – o penúltimo – eu senti uma “fisgadinha” no dito cujo, mas nada sério, não era mais aquela dor aguda de outrora. Mesmo assim diminui bem o ritmo. O percurso cheio de idas e vindas fazia os corredores se cruzarem o tempo todo, e por várias vezes o Wesley e eu nos cruzamos e um gritava para o outro: “Força aê manooooo”.
 Após uma curva bem fechada enxerguei “ele”, o pórtico, o reduto do triunfo, o descanso dos justos, o pote de ouro no fim do arco-íris. Mantive o ritmo, sem sprint, sem me afobar. Senti um nó na garganta, mas não chorei, senti a emoção de mais uma vez estar naquele ponto da conquista, dessa vez mais difícil, só para a vitória ficar mais gostosa. E foi.
Cruzei o pórtico e pude ver que a maioria do pessoal estava lá, e acenaram pra mim. Coloquei a medalha no peito mas não parei, faltava ainda um grande detalhe: buscar o soldado que tinha ficado pra trás. Voltei e cruzei o pórtico outra vez, só que agora de “trás pra frente” e encontrei meu amigo-corredor e sobrinho Wesley passando pela última placa, dei um abração nele fomos juntos até o fim, quer dizer, ele até deu um Sprint no auge de sua empolgação, mas eu não o acompanhei, era o momento dele, e o deixei saborear cada instante de sua maior conquista, por enquanto. O meu pagamento veio depois, quando ele pegou sua medalha e a entregou a mim dizendo: “Tome, coloca em mim.” Foi sua maneira de dividir comigo aquele momento, foi a forma que ele achou de dar pra mim um pouco de sua glória, sua conquista. Isso é impagável, emocionante.
Fomos até a dispersão e quem estava lá me esperando? A Sandrinha e todo o resto da galera. Mais uma vez ela me abraçou e perguntou do meu joelho, afinal de contas o percurso era “encardido”. Mas estava tudo bem, eu tinha conseguido, mas desta vez não sozinho. A corrida é o único esporte individual que se ganha no coletivo, todos ganham, sempre, você já ganha quando não desiste, já ganha quando acorda cedo e vai pra rua correr. Depois de tudo foi o momento das fotos, da harmonia, da bagunça. Nossas missões já haviam sido cumpridas. A medalha já estava no peito. Mais uma vez.



Olha a Sandrinha, pessoinha que me ajudou muito











Nenhum comentário:

Postar um comentário