quarta-feira, 20 de junho de 2012

Corrida do Coração



Quem já levantou cedo calçou o tênis e foi para a rua correr sabe o quanto é emocionante. São muitas emoções, que começam muito antes da largada, tu já sentes a adrenalina na retirada do kit um dia antes, durante a semana, geralmente se traça um plano, uma meta e uma estratégia para a peleja.
O coração deve estar preparado, sem dúvidas, e o meu estava. Ah, se estava... Preparado e apertado.
Na segunda, dia 11 de junho às 21h30min o telefone toca e eu tenho que sair correndo (de carro) com a Vivi para o Hospital. O Rodrigo resolveu queimar a largada. Foi uma noite daquelas, que além de ter que voltar pra casa sozinho ainda ocorreu dois outros grandes “eventos” nessa mesma noite que nem vou citar aqui, pois realmente parece demasiado por demais, dá até impressão de ser um roteiro de novela mexicana.
A semana se arrastou da mesma forma, árdua, amarga, difícil, sem treino e com trabalho às tampas. Na sexta, dia 15, por volta do meio dia meu celular toca e a voz que ouvi do outro lado me fez tremer e subir um frio em minha espinha: “Alô, Ademir. Aqui é o doutor Paulo, como vai? Vem pra cá que teu filho nasce hoje”.
O guri é apressado, aprendeu com o pai, mas essa ansiedade pré-parto tem um custo, nasceu com quase 45 dias de antecedência. Nos deu o maior susto, mas ele está bem.
Agora juntando os dois assuntos tratados acima, tenho muitos motivos para colocar meu coração nesse post, pois, além de tudo que me aconteceu, ainda o escrevo na madrugada do dia 21 de junho, ou seja, solstício de inverno, meu velho amigo está de volta, chegou, nessa noite que é a mais longa do ano no hemisfério sul, a noite em que o Liróca subiu até a torre da Igreja para abrir fogo contra o Sobrado na trilogia O Tempo e o Vento. Nada mais propício para um post como esse, onde o coração é quem manda. Esse coração gaúcho que bate aqui nesse peito está apertado, mas feliz.
Eu diria que minha maratona começou, de fato com o telefonema da Vivi, soma-se a semana bem cheia no Colégio e o nascimento do Rodrigo na sexta, foram mesmo muitas emoções. No sábado bem cedo, o Alcides e eu fomos retirar os kits, já foi mais um aperitivo, pois já deu pra sentir o clima que estava no Ibirapuera. Já o domingo começou ainda mais cedo às 5h00. Peguei o Alcides e o Sensei e por volta das 6h20 min já estávamos no ônibus do evento rumo à Estaiada. O coração batendo forte, pois nunca havia participado de uma prova tão badalada, com link ao vivo e transmissão na íntegra pela Rede Bobo, opa, quer dizer, Globo de televisão – Pelo menos o futebol ficou uns minutinhos de lado, né?.

O coração levou outro susto ao sinal da largada, pois o sistema de som não estava nada nítido no ponto onde me posicionei e não consegui ouvir a contagem regressiva. Se é que teve! Quando dei por mim, ouvi algo que parecia uma explosão e o pórtico subindo, era um sinal para eu correr, só isso. “Corre, Forest, corre”.
Subi pela segunda vez a Estaiada, como é lindo estar lá em cima, mais lindo ainda foi na chegada do quilômetro 1 já na Pinheiros, olhei para a ponte que eu havia acabado de passar e um “mar de gente” estava triunfante sobre ela, que cena linda, inesquecível, indescritível. Por um minuto o tempo parou para eu olhar aquilo, não consigo explicar, só consigo sentir. Como é bom viver. Mas meu coração não estava na corrida.

Os quilômetros foram sendo vencidos um a um e na altura do quinto havia um pórtico separando homens de guris. Meu coração teve um misto de alegrias e tristezas. De alegria por estar correndo, uma vez que isso já esteve ameaçado, e de tristeza porque minha meta não era apenas os dez. Mas não tem problema, o Lênin certa vez disse que de vez em quando devemos dar um passo pra trás para depois dar dois adiante, e esses dois adiantes darei em breve, muito em breve.

Meu coração se alegrou por poder mais uma vez subir rumo ao Ibirapuera, se alegrou e sorriu mais uma vez ao ver o Monumento às Bandeiras, que outra vez me olhou e disse: “Avante, corredor, não desista, falta pouco”.  Meu coração se alegrou mais uma vez quando enxerguei o pórtico de chegada, e, principalmente se alegrou ao cruzá-lo. Logo adiante encontrei o amigo Alcides, feliz com minha chegada, me parabenizou e disse que mais uma vez eu o surpreendi, pois, mesmo com a lesão no joelho eu sigo em frente, não entrego os pontos, sigo buscando meus objetivos. 

Outras emoções me aguardavam, e uma delas foi colocar a medalha, mais um símbolo dessa vida de superações, no peito, outra emoção, logo depois foi acompanhar, pelo telão a emocionante chegada do Solonei, que depois passou na minha frente, sim, bem na minha frente para sua glória. Ainda voltou para pegar a bandeira do Brasil com uma guria que estava bem pertinho de mim. Que emoção, haja coração. Mas meu coração não estava na corrida.

Muitas coisas se passaram pela cabeça, embora eu saiba – como bom investigador científico que sou – que o coração não é o órgão responsável pelas emoções, eu o usei para tentar demostrar, sem muito sucesso, creio, como foi e está sendo tentar ser forte em um momento de fraqueza. Meu coração está segurando muito bem essa barra. Joelho lesionado, convênio burocrático, ilegal e imoral, sem treinamento, muito trabalho, ganho de peso, problemas de saúde na família e agora, meu pequeno Rodrigo lá internado. 
Ainda me lembro no silêncio que vinha da sala ao lado naquela tarde no hospital que foi irrompido por um chorinho agudo em plenos pulmões que fez meu coração de pai saltar. Ainda me lembro a cena da Estaiada tomada de corredores. Ainda me lembro da cena do pórtico subindo e a corrida começando. E ainda me lembro do rostinho dele, e posso sentir e reviver a cena de tê-lo visto pela primeira vez, como eu sonhei em olhar pra ele pela primeira vez, e quanta coisa eu tenho para lhe dizer, para lhe ensinar.

Filho, não sabes o quanto me é penoso deixa-lo dentro dessa sua “casinha de plástico”, mas é para o teu bem, e isso me conforta. Um dia tu lerás essas linhas e saberás o quanto esse teu velho amigo torceu por ti. A única coisa que posso fazer por ti, por enquanto, é colocar minha mão na tua cabecinha de gurizinho, que é bem menor que ela e tocar teu corpinho frágil e magro, tocar tua perninha cumprida que já imagino na maratona, tocar teus braços ainda fraquinhos e longos e imaginá-los batendo na água. A Mamãe já está uma pilha de nervos pois, eu já avisei que nós completaremos o Ironman juntos quando você estiver com 18 anos. Sai logo daí, filho. Estou aqui com o coração apertadinho, que não estava na maratona por estar aí contigo o tempo todo. Não houve um só centímetro dessa corrida que eu não tenha pensado em você. Essa medalha é tua também, pois me incentivou a ir buscá-la.
A melhor sensação que tive até hoje foi a de poder tocá-lo. Se quer pude pegá-lo no colo, mas esse é o trabalho do pai, agir nos bastidores para que nada saia errado. Quando ouvi seu choro, ou quando eu coloco minha mão na sua cabeça percebo que nada do que fiz até hoje tem expressão perto desses singelos gestos, nada na minha vida valeu tanto a pena, embora eu não tenha ainda se quer sentido os seus 1,890 kg em meus braços. Quando você vier pra casa colocarei em ti todas minhas medalhas, e um dia tu terá orgulhos desse teu pai que tanto te ama.

Meu coração não estava na corrida, nem mesmo estava aqui no meu peito, meu coração está dentro daquele hospital, dentro daquela incubadora, dentro daquele serzinho que carrega meu sobrenome, meu sangue. Meu coração não me pertence mais, nunca mais.

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